7 de maio de 2009



(...) Nunca saberia dizer quando Miropol foi criada... Talvez de um olhar, um tropeço, ou quem sabe entre uma palavra sussurrada, um grito de pavor, uma frase mínima... Não posso afirmar o que meus olhos sempre evitaram e que a vida toda me angustiou, como se em cada passo fosse receber uma pedrada vinda do alto, um corpo caindo, caindo como um piano de calda atirado pelo assassino. Caminhar por suas ruas esburacadas, ladeiras tortuosas, terrenos baldios, praças simpáticas com seus coretos e estátuas da sua gente de pele macilenta e olhar perdido no horizonte consome meus dias monótonos e até aqueles nos quais sou outro. (...) Caminhar por Miropol leva o viajante a uma constatação inusitada: ela só existe enquanto se caminha, enquanto as palavras soltas nas bocas de seus habitantes vão construindo o traçado incomum de suas ruas, praças e morros. Nada nessa cidade parece ter um passado, senão aquele edificado entre o tempo de uma frase e a pausa subseqüente, e, mesmo assim, seus becos recendem a histórias tão antigas como o próprio mundo. (...) Caminho intranqüilo: cada pingo de chuva é uma maldição tatuando minha pele, lembrando-me do tanto que ainda tenho a percorrer... Nunca esqueço: Em Miropol, é preciso caminhar intranquilo, com medo quase; em silêncio, de luto.
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Crédito
Trecho do Romance Tristônia de Diogo Cezar Borges
Foto do ator Marcus Pina
(O Carrasco - Amok Teatro - www.amokteatro.com.br)